terça-feira, 5 de junho de 2012

"Dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão"

Leitores queridos, hoje quero convidá-los a fazer comigo uma viagem pela história, geografia  do nosso país e por muitas lembranças pessoais. Vamos?


A música que escolhi pra comentar chama-se "Sobradinho", composição dos anos 70 de uma dupla pela qual sou apaixonada: Sá e Guarabyra. Como de costume, primeiro letra, depois endereço do vídeo no Youtube.


Sobradinho


O homem chega 
já desfaz a natureza
tira gente, põe represa
diz que tudo vai mudar


O São Francisco
lá pra cima da Bahia
diz que dia menos dia
vai sumir bem devagar


E passo a passo 
vai cumprindo a profecia
do beato que dizia 
que o sertão ia alagar


O sertão vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia 
O mar também vire sertão
Vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia 
O mar também vire sertão


Adeus, Remanso
Casa Nova, Sento-Sé
Adeus, Pilão Arcado
Vem o rio te engolir


Debaixo d'água
lá se vai a vida inteira
por cima da cachoeira
o Gaiola vai subir


Vai ter barragem
no salto do Sobradinho
o povo vai se embora
com medo de se afogar



O sertão vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia 
O mar também vire sertão
Vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia 
O mar também vire sertão


Remanso, Casa Nova, Sento-Sé
Pilão Arcado, Sobradinho,
Adeus, adeus, adeus

http://www.youtube.com/watch?v=8ERBwtuaYmY

O endereço do vídeo não é de qualquer vídeo. É a última faixa do DVD "Outra vez na estrada", Sá, Rodrix e Guarabyra. Zé Rodrix é grande parceiro da dupla, deixou-a mas retornou anos mais tarde, o que dá maior sabor às composições.


Já que tenho uma relação bastante sincera com meus leitores, confesso a vocês que essa não é uma canção tão fácil de comentar... Justamente porque tenho muitas coisas para lhes contar! E isso tudo em meio a uma grande emoção.


Começo pela história/geografia retratadas na música. Sobradinho é uma cidade da Bahia, assim como Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado. Na década de 70 foi construída a Hidrelétrica de Sobradinho. Seu lago artificial inundou a área urbana das cidades acima citadas. 
O beato-profeta citado no poema é uma clara alusão a Antônio Conselheiro, líder do arraial de Canudos, vilarejo construído na Bahia no final do século XIX, mas dizimado pelas forças do Exército da República, na conhecida Guerra de Canudos, guerra apresentada em detalhes no livro "Os sertões", de Euclides da Cunha. Conselheiro foi tido como louco e morto pelo Exército brasileiro. Ele previu que o sertão viraria mar. E não errou sua profecia.


Agora, minhas lembranças! Sobradinho é uma canção que sempre gostei. Mas eu não sabia seu nome. Eu me lembro que eu e minha irmã queríamos ouvi-la, pegávamos os CDs dos meus pais e procurávamos o nome pelo verso do refrão. Antes de conhecer a história da música numa aula de geografia, pra mim era "o sertão vai virar mar" o nome da canção. Claro que nunca achei nenhuma faixa com esse nome! Depois de conhecer seu verdadeiro nome, sua história, soube que essa canção já foi tema de questões do vestibular da Fuvest. Uma das perguntas era: "Qual o nome da música?" Olha só, eu teria grandes chances de errar... Seria muito mais fácil ter perguntado pros meus pais, concordo. Mas o sabor de "descobrir" Sobradinho... Ah, esse eu guardo comigo! E jamais me esquecerei de seu nome, nem de sua história. Outra coisa que descobri nessa canção foi o significado de Gaiola: É uma embarcação fluvial. Depois que recorri ao dicionário, o verso: "o Gaiola vai subir" fez mais sentido!


Sá, Rodrix e Guarabyra fizeram parte do cenário musical do país principalmente nas décadas de 70 e 80. Foram os criadores do chamado "rock rural", do campo para o mundo. Sucessos como "Dona", "Espanhola", "Caçador de mim", "Casa no campo", "Blue riviera", "Jesus numa moto", "Mestre Jonas", "Roque Santeiro" são composições que estão imortalizadas no repertório dessas três estrelas da música nacional. Cada uma delas renderia um belo post. Concorda, leitor? Pensarei a respeito.


Mas uma dessas estrelas se apagou no ano de 2009. Zé Rodrix desencarnou, deixando muitas saudades a seus fãs e uma vida repleta de sucessos. É esse fato que guardarei para sempre na memória. Após o falecimento de seu ídolo, meu pai colocou esse DVD pra gente ver em casa e... Chorou! Meu Deus, pouquíssimas vezes vi meu pai chorar daquela maneira. Um choro doído, cheio de saudade. Foi então que percebi o quanto ele era fã do trio. Com certeza ele também se lembrou da época em que escutava essas lindas composições com seus primos, minha mãe... Nossa, eu que não era nem nascida, já estou aqui, toda nostálgica! Bons tempos, sem dúvida nenhuma!
Incrível a capacidade que uma canção tem de tocar fundo a nossa alma. Sobradinho, não só por ser uma canção bastante alegre, até  pelo caráter de denúncia social que possui, mexe comigo de um jeito bem especial.


O homem evolui, mas a história se repete... A Usina de Belo Monte está aí, sua barragem principal sendo construída no rio Xingu.  Assistiremos passivamente nossas florestas virarem mar? E como ficam os índios das comunidades locais? Afinal, o progresso desmedido vale o sacrifício? Deixo essas questões finais pra vocês refletirem.




Muitos beijos!

18 comentários:

  1. Conversando com a Dani no final de semana chegamos a seguinte conclusão... o que comentar depois de ler os posts da Lara, falar que ela escreve bem que é sucesso ela já sabe... o post é tão detalhado que dispensaria qualquer opinião. Mas penso que a gente falar sobre o que sentimos também é interessante. EU PARTICULARMENTE AMO ESSA MÚSICA. não sabia que gaiola era um tipo de embarcação, massa.... pois éeee O que será do povo que habita a área dessa e de tantas outras Hidrelétricas que serão construídas. Mas afinal, quem se importa? (governantesm empresários, quem quer dinheiro) ninguém se importa, apesar de ser problema nosso sim... Mas o que fazer?

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    1. Céci, o que enriquece o blog é nossa troca de experiências. Fiquei feliz por você ter descoberto por aqui o significado de "gaiola"!
      É uma realidade triste, infelizmente eu não tenho a resposta pra dar, mas refletir sobre a questão, não deixando passá-la em branco, é praticando esse exercício que começamos a nos importar, já não fica tudo tão passivo.
      Interessante foi que esse post saiu no dia cinco de junho, dia mundial do meio ambiente. Não foi de propósito, mas desperta nossa consciência ecológica!

      Um beijo!

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  2. Muito bom!!!
    Essa música, hoje, me lembra a visita que fiz, há alguns anos, com a turma da faculdade de jornalismo (que nunca terminei, mas isso é outra história, rs) ao município de Petrolândia, em Pernambuco. A cidade foi inundada nos anos 80, para a construção da usina de Itaparica, hoje chamada de Luiz Gonzaga. Os moradores foram transferidos para agrovilas na Nova Petrolândia. Visitamos uma das agrovilas e conhecemos alguns moradores que fizeram parte dessa história. As ruínas da antiga Petrolândia estão sob as águas e parte da Igreja do Sagrado Coração de Jesus ainda pode ser vista sobre elas. Triste e mórbido! =\

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    1. Olha, mais um triste exemplo da ganância do homem. Deve ter sido um passeio realmente mórbido! Tenho certeza de que Luiz Gonzaga não se orgulharia dessa "homenagem".

      Um beijo, minha linda! Obrigada pelo relato.

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  3. Que lindo, La!! Ótima escolha!! Vou ouvir essa música aqui! Fico arrepiada com a parte que cita Antônio Conselheiro, é muito profético mesmo! E Os sertões eu quero ler há tempos... Beeijo, querida!

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    1. Obrigada, Dani!!! Ouça mesmo! E o livro... Eu deixaria pra ler nas férias, já que ele é de facílima compreensão! ¬¬ HAHAHAHAHAHA

      Beeeeijo!

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    2. Hahahaha ouvi!! =) Ah, ele é totalmente científico, né?! Vamos ver como vai estar minha listinha básica de livros p/ o próximos semestre!!

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    3. Maravilhosa essa canção Lá!!!acho que não tem ninguém que não se emociona ao ouvi-lá...infelizmente é a pura realidade...mas vc tá de parabéns mais uma vez, pelas sábias palavras do seu comentário.
      Beijos minha querida.

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    4. Oiii tia Leda, obrigada! Essa música toca láááá no fundo da alma, não é? HAHAHAHAHA

      Beeeeijo!

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  4. Lara cada vez que você escreve melhor acho a leitura. Falando nisso, o progresso, a política, a necessidade de resolução de problemas sociais, podem gerar consequencias nefastas, como por exemplo: transposição do rio sao francisco, construção de várias hidrelétricas, resolvem alguns problemas. Poucas cidades do nordeste resolve, por enquanto, o problema da seca. As hidrelétricas fornecem energia que aceleram o progresso. Isto diminui o desague do Velho Chico no Atlântico. As usinas represam a água fazeno o mesmo. Com o passar do tempo tudo isso promove a salinização do rio, acabando com a alternância da água doce do rio com a água salgada do mar, deixando de existir o mangue, berçário natural da vida. Antônio Conselheiro, considerado louco na sua época, foi, por assim dizer, um profeta, acrescento: não só o sertão, pode ser que todo o país vire mar. é a tendência natural das coisas. Sobradinho, letra linda, interpretação encantadora de Sá e Guarabyra. Lara vc está nos obrigando a reviver o nosso passado reescrevendo a estória de cada um de nós de forma agradável, apesar da saudade se fazer presente de forma contundente. Obrigada e parabéns

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    1. Mãe, você acabou de resumir um grande problema que os brasileiros - e o mundo em geral - enfrentam: O desrespeito à natureza. Caramba, a extinção dos mangues não compromete apenas o berçário da vida. E as populações locais cujo sustento só pode ser retirado desses manguezais? E tudo isso por falta de um planejamento um pouco mais inteligente... Triste realidade! Pelo jeito, só vai piorar nos próximos anos...

      Ah, sempre gostei de recordar o passado. Estou fazendo isso com um passado que particularmente nem é meu. Mas se consigo arrancar de vocês, leitores, uma lembrança, um sorriso ou até mesmo uma lágrima, é sinal de que estou indo pelo caminho certo.

      Obrigada pela frequência, mãe, sua opinião é de extrema importância pra mim. Amo você!

      Beijos!!!

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  5. Amei !! Obrigada por cada detalhe ....

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Amei seu texto!!! Análise bem completa... Nossa, essa música tem uma crítica tremenda!!!!!!!!!

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  8. Composta em 1977, ainda faz sentido... Olha só o "trocadilho" Sobradinho - Brumadinho...

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  9. Olá! Gosto muito dessa turma! Ontem eu estava lendo sobre OS SERTÕES. Vou comentar algo. O livro não é tão científico assim. O autor começou a se emocionar com o que tinha acontecido com os seguidores do Antonio Conselheiro e acabou considerando aquilo tudo um crime! Me emocionei ao ler aquilo!
    Vou ler o livro de novo, inclusive!
    Por isso estava pesquisando sobre essa música...
    Achei linda a postagem, emocionante e linda! Os comentários também, o último bem atual!

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  10. Nossa, que post maravilhoso o seu, Larissa. Estava pesquisando quem era o beato e o que quer dizer gaiola. Tive essas respostas e muito mais. Na verdade eu comecei pesquisando um passeio que existe em Petrolina (PE) no lago de Sobradinho. E daquela cidade se pode ir conhecer as fantásticas pinturas rupestres na Serra da Capivara (PI). Daí lembrei da música que meus pais ouviam quando eu era criança. Uma coisa foi ligando na outra. A música é lindíssima. Espero ouví-la quando for lá! Parabéns pelo texto.

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  11. Muito interessante todo comentário sobre a música, pois me ajudou muito a esclarecer o sentido e objetivo de Sá e Guarabyra à composição dessa música em protesto sobre os feitos da humanidade em pro da lucratividade.

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